quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

E se contorce igual a um dragãozinho ferido, Luiz Felipe Leprevost

Como foi dito por aqui há algum tempo, achar o equilíbrio numa narrativa ao misturá-la com poesia pode ser um processo arriscado: cair na pieguice e usar imagens desnecessárias é um risco constante, e saber se esse risco é necessário também é outra questão. Porém, quando o escritor consegue juntar seu talento poético e metafórico numa narrativa prosaica, o resultado é sempre recompensador. Essa proposta foi bem cumprida pelo escritor curitibano Luiz Felipe Leprevost no seu livro mais recente, E se contorce igual a um dragãozinho ferido (Ed. Arte e Letra, 2011).

Leprevost tem trânsito: em Curitiba e no Rio de Janeiro, ele compôs uma obra artística que extrapola os limites da literatura (são pelo menos três livros de contos, um de poesia, e uma novela), alcança a dramaturgia e, especialmente, a música. A ponto de ele chegar a declarar em redes sociais que “não sabe mais o que é literatura”. A parte a brincadeira, de fato nos últimos meses ele se dedicou bastante à sua carreira musical, da qual já saíram músicas muito bonitas.

Esse talento poético para a composição inevitavelmente seria refletido na sua escritura: E se contorce... encontra paralelo temático, por exemplo, na seguinte canção (que nasceu de um poema seu; é ele quem canta a versão abaixo):



Segundo o próprio afirmou na última edição do Festival Nacional do Conto, ele primeiro encontrou em si mesmo uma voz poética, para em seguida encontrar a narrativa dentro da própria poesia. Isso explica o frequente uso de imagens metafóricas, característica desse livro (e de toda a prosa do autor), narrado pelo próprio personagem, em duas estruturas: uma delas em Curitiba, supostamente no presente, a outra no Rio, “cinco anos” atrás.

Um dia, quando vi, meus braços tinham sido transformados em tentáculos de polvo, querendo abraçar sua ausência. Lembrei por tanto tempo a pele e a bocarra dela como as de um crocodilo que ficava ao meu lado um pouco e sumia. Minhas mãos em pinças, patolas de caranguejo, não a impediam de partir.
    Nossa ternura era feita de garras, não de dedos. De chicotes, não línguas. Camisas de força, não abraços. Chave e fechadura.
    Mas deixa eu contar do começo.
Luiz Felipe Leprevost
Foto: Marco Novack
Descobrir quem é esse personagem talvez seja uma investigação interessante. O suposto publicitário curitibano vai tentar a sorte no Rio de Janeiro, no mundo empresarial da propaganda, e acaba vivendo uma vida provisória em quartos alugados, poucos amigos e, claro, o fio condutor da história, um amor.

Mas o que descobrimos ao ler essa narrativa é que o narrador é, na verdade, um poeta frustrado. Ele diz algumas vezes que escreve uns poemas, mas o maior poema que ele escreve é na verdade aquele que estamos lendo. E isso é tudo.

“Ela me perturbava. Eu que tinha colecionado medalhas de atleta e amores doídos ao longo da vida, que no passado aparei os cabelos da chuva, queria agora protagonizar o filme de açúcar cristalizado que em sua mente trepidava.”

Sobre a história (e não se preocupe, você descobre isso logo no início), o amor é na verdade um desamor, um não-amor, um processo lento e extremamente doloroso de um amor acabando (“ternura feita de garras, não de dedos”). O amor acaba em todos os lugares, como disse Paulo Mendes Campos, e esse livro aqui é um tratado sobre o finalmente do amor. A distância entre o Rio de Janeiro e Curitiba (simbolicamente, a distância entre o casal de personagens) também é importante aqui: transformá-la em apenas uma linha de texto é o que tenta fazer (e consegue) o narrador.

E é esse personagem que passa pelo processo de desconstrução o grande trunfo do livro. Descobrir e entender por que isso acontece é a tarefa do leitor.

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E se contorce igual a um dragãozinho ferido
Luiz Felipe Leprevost
Arte e Letra (2011)
119 páginas
Preço sugerido: R$25,00

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